A segunda e última semana de negociações da COP 16 começou com diversas reuniões informais e de grupos para trabalhar nos textos negociadores. No domingo, foi divulgado o draft do AWG-KP, referente aos compromissos adicionais do Protocolo de Kyoto.
Informe 6 – Maureen Santos – FASE/REBRIP
O draft já está disponível no site da UNFCCC. Foi feito com foco nos quatro pontos principais de maior divergência: período de compromissos (cinco ou oito anos); ano base das emissões (1990/2000/2005); metas do anexo I (individuais ou agregadas); números do corte de emissões para o segundo período.
A presidenta da Conferência, a mexicana Patrícia Espinoza, mudou um pouco a forma como estão sendo negociados os textos. Determinou duplas de partes – um desenvolvido e um em desenvolvimento – para fazer consultas informais aos blocos e países sobre os temas com mais divergência de posição. O Brasil juntamente com Reino Unido está com a responsabilidade do Protocolo de Kyoto.
Neste sentido, durante todo o dia foram realizadas consultas informais sobre diversos temas e foram trabalhados alguns drafts em grupos, então não tem muitas novidades. Amanhã possivelmente o dia também será dedicado às consultas informais, pois as duplas deverão apresentar os resultados à noite.
Duas conferências de imprensa, em especial, fizeram um resumo de alguns pontos importantes:
Bolívia – Embaixador Pablo Sólon
Explicou de maneira detalhada a posição boliviana sobre o texto LCA (Cooperação de Longo Prazo) e sobre o KP (Protocolo de Kyoto). Disse que o texto LCA expressava a visão da presidenta mexicana e era um texto de insumo e não um para um acordo final, pois tinha uma visão desbalanceada.
Repetiu sobre os pontos de Cochabamba que foram tirados do texto (apontados no Informe 5) e completou dizendo que o único parágrafo sobre Direitos Humanos contido no texto de Tiajing (última pré-COP, realizada na China) foi suprimido. Reafirmou que toda ação frente às mudanças climáticas deve garantir os Direitos Humanos.
Disse que no texto do KP mantiveram junto às outras propostas, a proposta boliviana de corte em 50% para o segundo período de compromissos.
Sobre o lançamento de novos mecanismos de mercado de carbono, o país acredita que só é possível avançar nisso se tiver uma avaliação dos impactos e resultados do mercado de carbono.
Sobre REDD, a Bolívia defende que da forma como está no texto, reduz as florestas à mera captadora de carbono e não uma visão ampliada sobre a importância da floresta para a proteção dos ecossistemas e para os povos que vivem nela e dela.
Fizeram uma pergunta para ele sobre se haveria chance flexibilidade na posição boliviana e ele disse que sim, mas que tiraram do texto, especialmente LCA, as opções de meio de caminho ou nem propuseram outras neste sentido. Um exemplo foi o limite de aumento médio de temperatura global. Que haviam propostas de 1ºC,1,5 ºC e 2 ºC, e que só mantiveram a proposta de 2 ºC. Esta variação representa quantas pessoas vão morrer futuramente pelos impactos das mudanças climáticas. A atual oferta dos Estados Unidos, de reduzir 3% nos níveis de 1990, levaria a um incremento de 4 ºC.
Neste sentido, segundo diferentes relatórios, por conseqüências das mudanças climáticas, morrem em torno de 300 mil pessoas atualmente. Em 2020, se estimam 1 milhão de pessoas se continuarmos sem uma solução para os cortes de emissões. Isso não seria um genocídio?
O Embaixador disse que os verdadeiros causadores das MC são aqueles os quais não querem agora salvar a vida das pessoas e a natureza, os mesmos que ainda vêm dizer que a Bolívia que está bloqueando as negociações.
Por fim, respondendo uma pergunta sobre transparência, disse que a presidência mexicana assegurou que os processos estão sendo transparentes e que não estão ocorrendo conversas secretas. Finalizou dizendo que o México tem a responsabilidade de não fazer voltar o fantasma de Copenhague. Informou ainda que Evo Morales chegará dia 09 e participará pela manhã da Conferencia e à tarde se reunirá com organizações sociais.
Brasil – Embaixador Sérgio Serra
Reafirmou apoio à presidência mexicana pelo seguimento dos trabalhos, explicou a metodologia das consultas informais, apontadas no início deste informe.
Em resposta a uma pergunta sobre quais estratégias as duplas de negociadores estão tomando para desbloquear as negociações, disse que estão buscando uma mensagem política, incluindo uma decisão sobre o segundo período de Kyoto, mesmo que isso seja um caminho a ser aprofundado na COP 17. Disse que não acha que seja possível um acordo sobre Kyoto em Cancun,
Sobre a pergunta de que a China se opõe a um acordo, o Embaixador disse que a China não apresenta oposição de um acordo vinculante nos dois trilhos da negociação, mas que sem o resultado por parte dos países desenvolvidos não há chance de ter um acordo em Cancun, talvez na África do Sul.
Afirmou que os Estados Unidos não estão discutindo nenhuma proposta neste sentido, que não se coloca a questão da ratificação de Kyoto.
Sobre mitigação, a posição brasileira é de que os países necessitam de compromissos firmes, ambiciosos e compatíveis com o que nos diz o IPCC e a ciência. Neste sentido, defende corte entre 25 a 40% para os países em desenvolvimento (níveis de 1990) e para os países em desenvolvimento um desvio da curva de crescimento no cenário business as usual e que estes não tem números mais ambiciosos dos que já foram apresentados em Copenhague.
Fizeram uma pergunta sobre os rumores de estar acontecendo os chamados Wikileaks (forma de pressão e chantagem) por parte dos Estados Unidos em relação às economias menos desenvolvidas e mesmo sobre o Brasil (oferecendo apoio para o Brasil na reforma do Conselho de Segurança da ONU). Serra disse que não estava acompanhando isso e não saberia responder sobre os outros países, mas que o Brasil não foi procurado por ninguém da delegação americana para ser pressionado em troca de alguma coisa.
Após a Conferência de imprensa, conseguimos que o Embaixador Serra fizesse um rápido briefing conosco (Maureen Santos/FASE e REBRIP; Lucia Ortiz/Amigos da Terra Brasil; Letícia Tura/FASE; uma companheira do MAB e Luiz Zarref que chegou um pouco depois). Entre outras coisas, ele reafirmou que possivelmente só sairá de Cancun algo sobre financiamento de curto prazo (fast start), que não há nenhuma expectativa que os Estados Unidos se comprometam com algo, haja vista sua situação interna (mesmo para COP17 seria muito difícil, pela situação eleitoral) e que talvez a Rio +20 pode ser uma alavanca para se concluir este processo.
Hoje, terça feira, serão realizadas as mobilizações nas ruas de Cancun. A marcha do Fórum Internacional de Justiça Climática sairá pela manhã no dia de hoje até o marco zero de Cancun, para lembrar a morte do companheiro coreano campesino Kim Lee, que durante as negociações da OMC em Cancun, 2003, se imolou; a Via Campesina irá marchar rumo ao Moon Palace (onde ocorre a conferencia oficial) e realizará uma assembléia.